La dernière séquence

joão
4 min readNov 22, 2023

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Tão distante, mesmo próxima. Dedos destoantes — centenas de inconciliáveis características que, de alguma forma, desassistem de uma natural e primária repulsa das cicatrizes que possuo, profundas ao ponto de serem visíveis pela carne, perceptíveis pela alma. A lágrima — a chave de tal momento antecipado por mim, encontra o espedaçamento ao encontro de teu polegar. O doce amargo, a secura em minha garganta impede de qualquer palavra de ressoar ao vento, de encontrar tua alma. Amá-la-ei?, apóstrofe que seca minha boca, arrochando as amarras antes tão frágeis que mantém minha alma adormecida.

Tua mão repousa em meu peito. E compartilhamos um riso. Há diferenças notáveis em nossas dicções, no modo solto em que tua risada ressoa ao nosso plano — tão graciosa, tão harmônica. A minha há um pouco de pesar, que se dilui conforme meu polegar desliza pela tua mão, a macia superfície que tanto admirei secretamente. Unhas feitas de maneira descomplicada, ainda que com teu charme — cor vermelho sangue, latentes. A luz do luar, nossa confidente, a testemunha do acordar tardio do que chamo de alma, a quem devo sua existência o agradecimento eterno por me proporcionar tal estimado estímulo.

Você pensa demais.” Sua voz continua graciosa. Sempre foi, é, e será. Lembro de sua intonação — percebo superficialmente certo desdém, consequente de seu conhecimento a vista de meu comportamento. A mão em meu peito sobe até o meu rosto, seu polegar ainda carinhoso. Como eu queria tê-lo novamente afagando anos de amargura, de suplício descontrolado…

Perdão.Eu te amo, e é difícil me controlar. Há um corpo entre a gente, momentos, sentimentos, aflições, preocupações num amontoado de ossos que está no meio de nós dois. Tão difícil proclamar, tão difícil avançar e me permitir amar, despertar por completo o espírito letargo que há de se apossar da corpulência que lhe toma a cintura, que acaricia tua pele com cautela, que te olha com desalento.

Não pense muito.” Nosso tempo está se esgotando, o mundo desaba entre nós. A chuva se faz fria, meus dentes sutilmente rangem. Os castanhos de teu olho se fazem imperceptíveis, o portal de tua alma se esvai, lentamente, de minha percepção e abstração. Como uma porta amadeirada, se fecha com delicadeza e ternura velada, com um sutil piscar de olhos. Teu olhar já não me é meu. Tua atenção não me é dada.

Se eu não pensar, fico sem você.As palavras escapam, atropeladas pelo fluxo descontrolado de meus pensamentos, dos batimentos cada vez mais vacilantes de meu coração — o sistema cardiovascular entrando em completo colapso, um perecimento comedido. Lágrimas presas pelas amarras que me impedem de te ter.

E acontece o entrelace. Por uma última vez, nossos dedos apertam reciprocamente. Eu pisco, e teus dedos deslizam ao ar, escapando. Um fragmento heteróclito, diriam os mais versados. Mas eles não testemunharam o que vi, o que senti, o que sinto. Palavras são derramadas, sentimentos que se perdem no milimétrico espaço que há entre caracteres. A tortura que és ter conhecimento que aquele será o último olhar, o postremo respirar liado de amor fadado a ferir, a afligir.

A gente se vê.” Há certa paz em sua fala. Assim como em seu movimento, no giro airoso que seu corpo performa. E dali, o que é meu é o que passou, o que me lembro, o que restou. Meu olhar bastou de te ter como centro, e tua voz apenas é confidência de meus sonhos, os mais doces e afáveis que esporadicamente tenho.

A gente se vê.” A lágrima — o cadeado de tal momento concludente a nós. Pois soube, que por mais frutífero que este derradeiro sentimento seja, nunca o terei novamente. Pelo menos, tal intensidade nunca me arrebatará como me tomou. Cada sorriso era ímpar, cada olhar era único, cada toque suave carregava consigo o cuidado que tanto desejei deter. Desta vez, a lágrima que cai com gracejo ao chão se mistura com a chuva em uma miscelânea, apolínea, como as memórias fazem ser.

E seu sorriso, seguro em minha mente, é indescritível. A perfeição antes pertencente apenas ao divino me agraciou. Perante a minha morte, eu a vejo. E lhe agradeço por isso.

Mantenho-me compenetrado desde então. Mas apenas o que está entre o respiro e a determinação deste como último em Terra sabe minha volátil entrega a deletérios vícios. Tal fragilidade que minha mente carrega (“você tem a mente fraca”) é eterna, incurável. Me adoeço conforme o tempo toma seu curso natural.

Mas ainda há memórias as quais vale sobreviver para sonhar uma noite.

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joão

Tous ceux quit manquent se réfugient dans la réalité