sete de outubro

joão
4 min readOct 8, 2023

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sete de outubro, dez e trinta e sete da noite. dois mil e vinte três.

Antes de me discorrer como faço esporadicamente, remonto memórias indigestas de um passado recente. Cá estou, poucas dezenas de olhos fitando-me. O que se segue em movimento é um turbilhão: de um amontoado de sentimentos, pensamentos (do modo que eu próprio descrevo outras percepções, conflitantes perspectivas, um furacão de opiniões contrárias — muitas delas manifestaram a paulificante confusão de palavras que ressoam entre meus lábios secos — e de muitos rostos explicitando suas pálpebras entreabertas; tragando, mesmo que por acidente, uma fumaça tóxica que coube somente a mim sentir o odor, pois eu mesmo o produzi) de presunção, de animosidade exacerbada, de ansiedade. Palavras se destrambelham, tropeçam em um compasso complexo (o meu fracasso, uma sina assustadoramente prematura ditada pelo olhar rijo de uma figura de importância) conforme sinapses se perdiam. Ao final de tudo, de meu sorriso amarelado e pouco confortável com o fastio resultado, pouco pude de aproveitar a absoluta ordinária certeza que se deu após o ato concretizado: me fiz sábio, não do assunto qual pouco sábio e safo de fato era, mas de minhas faculdades, mentais e corpóreas. A princípio de comparação: tal como um atleta entende sua inferioridade ao ser derrotado em um campeonato, me fiz completo ao atingir este saber tão minimizado, da incompletude completa que possuo sobre mim.

Faço-me menos prolixo: há certa paz após o caos. Em uma situação onde estive próximo a morte (esta também tive experiência, não apenas em uma singela ocasião, mas em diversas, as mais marcantes — as que modificaram a programação, do que fazia meu pensamento se fragmentar, ramificar vertentes de um variado assunto, que planearam a forma com qual eu lido com tudo o que há de mais pestilento e pútrido que permeia o ser no qual sou) me fiz conhecedor de si mesmo: desmontei sonhos, planejamentos. O clarear da luz do Sol (que por nunca queimou minha pele a fez assim que pisei meus pés desorientados sob o concreto) que após semanas internado me trouxe a miséria ao tempo em que me trouxe certa pacificação da mente.

Sob aplausos fracos, eu me faço satisfeito. Não por saber que sei, mas por saber que não sei de pouco, quase nada. Claro que voltei — sob trancos e barrancos em um impressionável exemplar de ônibus bem conservado e característico, o meu bem-amado 309 — cabisbaixo por me apressar sobre notações, anotações, remedições do que poderia vir futuramente. E claro que reduzi minhas feições já “rústicas” a uma inexpressividade e indisposição (ou qualquer fala que advinha da linguagem que me restringe neste momento), afinal, antes de saber, pouco sei. Na verdade, nada sei de saber nada, pois até este tão deflagrado conhecimento requer uma certa erudição. De fato, nada deste eu tenho posse, e imagino nunca ter.

Sou um ser — um “ser”, de fato? — humanoide deveras insuportável.

Imagine contemplar o ato: sentado sob um banco extenso de concreto, me encontro ao lado (esquerdo) de meu progenitor. Pouco falo, pouco sorrio, e quando o tento, me julgo inoportuno. Ao lado dele, e de fato, lado dele, se encontra um antigo conhecido, que considero amigo (penso de forma quase esporádica se ele lhe confere esse crédito que dou, e se ele me dá esta estima tão consagrada, que me agraciaria ter concretizada) e por minha “progênie” um escudeiro — pelo que imagino, e com certa fé, um amigo. As palavras flutuam entre eles, sem ritmo, compasso categórico concretizado. Silêncios instáveis se instauram e são cortados um pelo outro conforme o navegar dessa troca de acontecimentos (comprimidos e compressados em clausuras temporais) inevitavelmente pede. E por um momento, eu sinto certa inveja. Tenho certeza de que isso nunca irá de fato acontecer com minha pessoa. O que carrego comigo de ojeriza por tão corpo e voz tão presentes desde minha concepção impossibilitam tal honestidade, uma frontalidade restrito pelas regras implícitas correntes — e já oxidadas — que o correr de minha existência proporcionou.

Eu sorrio, pleno, a passos trôpegos, conversando comigo mesmo. As palavras que antes ressoaram complicadas e titubeantes ora soam mais naturais, ora soam mais difíceis de confidenciar ao nada. Se há, algo natural dentro de mim — a maldade, justiça, a verdade do eu, que seja, — que se faça por minha passagem neste plano terreno incognoscível. Se ela por ventura se fazer cognoscível, que eu não a consiga acessar. Pois ao contemplar com a verdade, me fiz miserável. Lágrimas escorrem em uma mistura tóxica com a chuva ácida. Ela não me queima, mas ajuda o que é salgado arder, o rosto inchar, a mente vacilar. Que o desejo pela lâmina não me atinja como me atingiu estes tempos.

E ao passar por um comercio local, sou agraciado por um comentário. Um elogio. Gentil, doce. Algo que nunca imaginei receber depois de tantos anos calejado ao que era (e é) cortante. Inesperado. Não retribuo — meu espanto e inabilidade de proferir o que é além do cotidiano (“vai chover hoje, ein”..) me deixa vacilante, mas um sorriso tímido aparece. O do tipo que eu sempre temi fazer explícito, é o que me expõe ou pelo menos expõe a parte boa de minha alma. Antes adormecida, agora com um dos olhos entreabertos.

Que a imprevisibilidade faça de mim alguém menor, consequentemente pior, melhor, por conseguinte, melhor.

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joão

Tous ceux quit manquent se réfugient dans la réalité