vinte um de agosto

joão
2 min readAug 21, 2023

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Vinte e um de agosto, dois mil e vinte três.

1800 dias, aproximadamente. O tempo é confuso, anos e datas se perdem no montante que se constrói com seu passar natural. A mente se deteriorou, a alma acabou falecendo no processo. Pelo menos uma boa parte dela, a parte mais altiva — a que resta presume-se adormecida.

No fumo, encontra-se um relaxar. O que aproxima de um destino, de um ponto final desta delicada e tão atroz história. A lágrima dispensa qualquer licença — ela escorre, solitária, espalhada pela pele suja, o frio e sua ventania fazendo um cobertor de espinhos. Longe de acalentar os temores, ele apenas o amplifica, outras gotas tão potentes escorrendo dessa chuva doce, particular.

Após, uma risada: silenciosa, tênia. Com propósito — do porquê seu vício o relaxa. Um sussurro com a cabeça erguida, o olhar fixo no infinito vazio que é o céu industrial, os lábios se mexendo em toques irregulares, estes ressecados assim como a voz que se segue. Rouca, trêmula e carregada, maculada por um furacão de sentimentos e sensações — a mais marcante dentre elas, o ressentimento. A tristeza da possibilidade que deslizou por seus dedos, por um ato estúpido, risório.

Tem cheiro de cigarro. Borracha com cheiro de cigarro, onde se viu?

Um sorriso se molda. Sincero. Há certa paz na solidão. Quietude, pode se dizer, pois nunca se terá uma verdadeira paz. Ainda que possa passar batido, o momento estará sempre presente. Tatuado em seus miolos, tão ansiosos para sair do crânio, assim como o último suspiro, ansioso para ser sacramentado. O caminhar, trôpego.

Cheiro de cigarro.” Sua voz não fraqueja. Ela mal sai. O que ressoa é um suspiro, pesado, com fumaça e frio. A bituca desliza de seus dedos. O ônibus está vazio, como sempre está essa hora.

1800 dias. E ainda há cheiro de cigarro em tudo. Nunca saberá se ainda há tal cheiro na borracha. Ele a perdeu. E não a terá de volta.

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joão

Tous ceux quit manquent se réfugient dans la réalité